quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

já está confirmado

"Je veux une vie en forme d'arête" . vida e humor em Boris Vian
leitura encenada
20 de Março 
Pó dos Livros
18h30

Nasci, por acaso, no dia 10 de Março de 1920, à porta de uma maternidade, fechada por causa de uma greve de zelo. A minha mãe, grávida das obras de Paul Claudel (não posso com ele desde essa altura), estava no 13º mês e não podia esperar pela Concordata. Um santo padre que passava por ali apanhou-me e voltou a pousar-me; eu era efectivamente muito feio (a minha sobejamente conhecida aspersoriofobia data no entanto dessa altura). Por felicidade, uma loba esfomeada, e que acabara de dar à luz Pierre Hervé (tenho por isso exactamente a mesma idade dele, o que está perfeitamente de acordo com as teorias de einstein relativas à simultaneidade) pegou em mim debaixo da asa e deu-me de beber. Cresci em força e sabedoria, mas continuava tão feio como sempre, embora ornado por um sistema piloso descontínuo mas sempre muito desenvolvido. Na verdade era igual à Vitória de Samotrácia.
Tenho um metro e 86 pés descalços, peso bastante e escolho antes de qualquer outra coisa as obras de Alfred Jarry, a fornicação, Un Rude Hiver e a minha bem amada esposa. Não esqueço, embora só venham depois, a música da Nova Orleães, Duke Ellington, Lana Turner, Ann Sheridan, as sinfonias do Commodore W. Spotlight para sino duplo e bicicleta a petróleo, a pintura a óleo que pratico com raro prazer, o bigode do meu venerado Jean Rostand, as raparigas do Jazz-Club-Universitário (sobretudo uma loura de vestido verde... mas não insistamos), o two-beat (isto não é uma alusão sexual), e a mére Chaput. Detesto o Paul Claudel (já o disse, mas é agradável dizê-lo, e é por isso que nunca li nada dele), Le Grand Meaulnes, Alain (não o meu irmão, que é um tipo completamente maluco), Péguy, o violino de jazz tal como o praticam os franceses, as obras da imaginação, as mentiras e os aparelhos de pequeno formato, Ivan o Terrível, Leonard Father, Edgar Jackson, Le Dictateur, Dumont d'Urville, Monseigneur Suhard, o papa; do Barbotin até gosto. Também não gosto de peitos rasos (para as mulheres), de endívias e de merda, a não ser quando estão bem temperados.
Procuro um apartamento de cinco assoalhadas, com todo o conforto. Tenho uma vida movimentada mas estou pronto a recomeçar. 

Boris Vian

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